Transferência de imagens através do não-dito
Foi aquela palavra rústica no som longe que me trouxe até aqui
E tudo se vai, tem ido, está chegando
Como quem mastiga e não engole aquele cheiro de um delicioso passado
Para que esta melancolia azeda no fim de tarde?
Céu de quem não quer esquecer, quero apenas ouvir
Facilitar o ruído do que se fala por dentro
Acreditar na leveza do que se procura no ar
Passar a entender a nostalgia de todo um delírio sem resposta
que pretende passa a sua mão pelos meus olhos
Pasmar a índole que dorme em meu quarto
e fingir que sou mais uma escrava sua.
Aterrorizo-me com esta fuga, não há mais dizeres
Flutuo nas horas para me arrepender mais tarde
Tudo resultado de uma conversa sem dizeres,
maravilhosamente tocada, sentida
e que sempre vai e não volta, ou demora para voltar.
Suor acalmando o som, bocas fazendo o bem
As flores abrirão pela manhã de amanhã
e sorrirão ao ver que tudo continua igualmente mudado
transformado por aquilo que ressoa e não fica
Solta-se na mão o crer, o sentir
e passa a fazer sentido essa longitude atemporal
Fervor de quem não acredita, apenas espera
e continuidade da vibração de um sino não material
Senão estas mãos, quais farão parte de mim?
Quais tocarão esse sino? e quais farão sentido?
Renego a força de qualquer influência
fugaz modo de dizer sempre o mesmo sem denunciar-me
Esqueço-me da curva que me fez assim
e digo, muito baixo, que não sou mais a mesma
que não trago mais tudo dos outros
Trago a mim mesma, e, ainda assim, não trago nada que não seja igual ao de sempre
Adianta? Apenas atrasada o que penso ser ideal
Seleciono tudo e nada me falta
Falta-me tudo e nada seleciono
Talvez exagero de um sossego sem demora
Menos do que me falta pouco e mais do que seleciono muito
Pressa de quem ainda não sabe, mas anseia
Cheia de querer de quem ainda não conhece.
12/04/01