Natureza

Distância azul no semblante que reflito no espelho

Imagem da árvore florescendo, frutecendo.

Gestos claros na forma do corpo

A tranquilidade venta na minha nuca. Uma brisa que aprendo a sentir.

Flor brotando no lábio, abrindo estação

Recebo as mudanças, amamento o vir cheia de boas-vindas

Estou lidando aos poucos com o que chega.

E sorrio

Palavras cochichadas, tudo muito baixo, como uma prece

Rezar embeleza o som, ecoa por todos os lados.

Forte. Fonte. Como não admirar a fé?

E queria praticar o que prego. Orar em latim o que acredito.

 

Madrigal. A madrugada esperando o canto.

A prece preenche o verso, o espaço

Ecoa frondosamente tocante.

Os vazios que não se fecundam com tamanha beleza.

04/07/01

Necessidade

Se pudesse organizar a vida como se organizam versos…

Poética instaurada nos meus detalhes. Sonho que sou um conjunto de letras formando poesia

Metáfora nos dedos como anéis, metonímias nas orelhas como brincos

E os paradoxos todos pendurados em um maravilhoso colar.

(Suor. Palavras. Palavras. Inspiração. Desejos.

Quero palavras. Onde pô-las? Ritmo absoluto.)

(Absolutamente preciso de ritmo. Preciso ritmar as palavras

Compor a música que sinto e não vou escutar.

Nuvens vão, vã credibilidade.

Do que preciso?)

Moscas podiam me trazer uma luz.

Mas elas não são vaga-lumes.

04/07/01

Eu, o rio e a canoa

Ordem natural do reverso. Universalizo-me por uma perdida lua.

Estandarte paralelo a mim mesmo em uma torre ocasional

Construo-me e rompo com a voz surda

Grito e vou contrariando a antiga forma

Formando longe a faixa e a marca do que ainda não sei.

Por outros dias, a barca rompia meu rio mais longe

E não conseguia identificar a margem, suava a fronte imatura.

Hoje, navegação distante, luta do maior atravessando

Para todos estes braços que surgem do meu corpo busco a utilidade

E coordená-los não me faz tranquila, os remos vão mais rápido

E não posso, não aprendi a lidar deste modo

Volto ao porto e Pessoa me espera

Tejo desconhecido carregando minha consciência: não vejo pra onde me levará

Para onde corre? Em que lado nasce?

Salvo eu mesma afogada. Folgada que estou, me sinto sem ar.

Mas sobra espaço. Em qual entonação está meu vácuo?

Ainda quero despertar, sentir a tranquilidade do nascente.

Por estes dias, tenho dado a luz a cores suaves

Encho delas o rio em torno de minha canoa

Mágico que é, me acolhe como filha e esquece essa coisa de humanidade

Somos do mesmo material: cor, resultado da luz nos refletindo

E reflito: sou eu ou o rio no reflexo? Já não existe separação.

Parar com a condenação autoritária, coloco-me em solitárias

Confundo as mulheres que sou. Agora a canoa também sou eu.

Ou eu sou a canoa? Mulher que sou, me vejo mocinha.

E o rio me vê inofensiva. E muitos me vêem nociva

Imagem torcida que monto sem ver. Cegos são mais reais.

Gosto de soluçar a eternidade, desforma contínua

que passeia como pássaros no nosso céu imaginário

Vejo suas asas no espelho d’água. Perdi a noção do real.

Quero transformar-me.

Pelos dias futuros, indago a respiração, oscilo imóvel.

Folha das árvores dos meu cadernos a caírem na água

As letras borram. E o escrito que me estrutura dissolve.

Dissolvo. Flutuo pelas bordas, pelas margens a indagar os parágrafos.

Para onde vão agora que estão vazios?

E me torno repleta de letras soltas, querendo dizer sem saber como.

Como era doce estar cheia.

27/06/01

Desconfiança

Falta-me a intuição perfeita

cheia de saberes

vazia de influências

sem esta tendência.

Sobra-me a confusa roda

perdida em cheiros

em cores

e que não me traz nada

só a volta ao igual

ao medo concreto.

Se a pele for clara

o nome será doce

e todo o desconhecido

cairá maduro

da árvore verde.

Se a falta de razão

apertar como uma responsabilidade

não será uma noite longa

irá voltar forte

o que foi pequeno.

E agora, sem saber onde pôr

a intuição imperfeita

a confusa roda

a pele clara

a falta de razão,

me desperta

aquela fome corrosiva

que corrompe toda ideia

todo sono

toda tranquilidade.

E ainda há tempo

para eu comer tranquila.

03/04/01

Eterno ainda

Poeira nas palavras.

Sonho,

e a mudança solta

no esquecido vento forte.

Volta ao lugar anterior,

ruído forte

nas pontas dos dedos

e desejo

nos vícios perdidos

mordidas

nesse cheiro absurdo

tudo muito fluente

influente.

Corrompido

é o passo oprimido

que esquece sempre

essa lembrança brisa.

E o ar tão leve

soltando esses minutos

futuro

passado.

Passam do meu sabor

a limpo

na busca fugaz

do que irá passar.

Flor se abrindo.

Ruído nos versos.

E a volta

que não foi dada

cobre

esse eterno ainda.

Movimento lento

ainda com pressa

ainda com angústia

ainda com o mesmo

eterno ainda.

Circulando.

Rolando longe

tranquilo

azul

azul

azul

Cantando o céu

o seu ideal metamórfico

convencendo a todos de uma inexistência absoluta.

30/03/01

Mobiliada

Espelho torto

na porta do quarto:

Tenho que refletir.

E a imagem refletida

desconexa do que acredito

muda o que acho que vejo.

Cama torta

no canto do quarto:

Procuro descansar.

E a tranquilidade desejada,

fuga do que poderia ser real,

transforma-se em preguiça.

Armário torto

no outro canto do quarto:

tenho que me organizar.

E a bagunça que fica

reflete a imagem de uma moleza

que invade este quarto

tão eu em que vivo.

21/03/01

Teoria

A suavidade dos dias

me pondo aos poucos

no eterno, no imutável.

Aonde irão as aves desta viagem?

Vou ao encontro

do novo método inteligível

que provou que a busca

sempre é realmente irreal.

E tantas teorias

tornam a minha prática ilógica.

Formo a opinião

minha ideia

controlando o que já foi

e o que virá nunca mexo.

21/03/01